Publicado originalmente na metade da década de 80, O conta da aia era entendido como uma distopia futurista, porém as particularidades desse estado imaginário e distante perderam seu apelo ficcional diante da sociedade de hoje.
É de arrepiar a capacidade premonitória da canadense Margaret Atwood de substanciar seu enredo com questões que afligem o mundo atual, a exemplo do cerceamento da liberdade, do desrespeito aos direitos civis, do uso da religião como instrumento de poder e do abuso contra a mulher.
A trama (que foi adaptada para a elogiada série The handmaid’s tale) se passa na República de Gilead – onde era os Estados Unidos da América -, um Estado teocrático, severamente opressor, no qual as universidades foram extintas e qualquer ato contra a lei é punido com fuzilamento.
As mulheres perderam seus direitos. São objetificadas e recebem o nome de seus donos. Dentre as categorias, a mais baixa pertence as aias. Elas são entregues a homens casados do alto escalão militar, de modo a serem engravidadas e os bebês registrados como propriedades dos casais que as mantêm encarceradas.
A narrativa se desenvolve a partir do olhar de Offred, uma aia que, antes de ter a autonomia suprimida, foi casada e teve uma filha tirada de si.
Atwood tem um domínio extraordinário de construção de mundo, em escala doméstica e mundana. Os conceitos e aspectos teóricos são difundidos na ação dos personagens.
Essa perspectiva testemunhal dá vulto ao principal subtexto crítico: a violência física e psicológica contra a mulher. Assombra a confusão de sentimentos e de entendimentos das aias em relação a outras mulheres e aos próprios homens que as subjugam.
A cena em que um médico oferece o coito com a naturalidade de uma solução é chocante, e representa muito os abusos sexuais denunciados recentemente.
***
Livro: O conto da aia
Editora: Rocco
Avaliação: Excelente