A escritora russa Elena Guro tem finalmente sua obra apresentada ao leitor brasileiro, com Assim a vida passa. A bem cuidada edição artesanal é composta por um conto maior, que empresta nome ao livro, e outros dois menores: “Manhã” e “Primavera”, num total de cinquenta páginas.
Guro traz, em seus livros, elementos do populismo russo, movimento literário que buscava uma identidade nacional em detrimento às influências europeias. O foco, neste caso, passam a ser as classes baixas e os temas cotidianos, estabelecendo uma ruptura da estética vigente, que pode ser percebida no uso da linguagem.
Os textos são moldados por uma escrita direta, de frases curtas e bem pontuadas. Em contrapartida, embora tenham a articulação e o compasso da prosa, há uma plasticidade poética na maneira com que a autora constrói seu inventário de imagens, transitando entre a dinâmica da vida urbana e a quietude da natureza silvestre.
“Assim a vida passa”, o conto de abertura, retrata a incursão da pequena Nelka de um dia ao outro. Ao mesmo tempo em que reporta, com uma sensibilidade fascinante, o que está à sua volta, a narradora mirim desfia sua relação com o padastro opressor, num tom que fica entre a melancolia e a resignação.
Tudo com o poder desconcertante do consórcio de poucas palavras. As luzes queimavam e brilhavam. Como se caíssem de uma só vez.
Os contos posteriores são expedições por um território vernal, superativado por efeitos sensoriais, que ora dá a impressão de ser a travessia de um sonho, ora a experimentação de uma beleza selvagem descrita de forma suprassensível.
Merece destaque a tradução de Gabriela Soares, que protege, com diligência, a voz marcante de Guro.
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Livro: Assim a vida passa
Editora: Arte e Letra
Avaliação: Muito bom