Ali, pelo meio da vida, mas já abalado por uma série de tragédias pessoais, o uruguaio Horacio Quiroga partiu para a selva argentina de Misiones, acompanhando o também escritor Leopoldo Lugones num trabalho de pesquisa sobre as ruínas jesuítas.
Sua função era registrar os dias de expedição, mas a estada acabou se estendendo por sete anos, pois, fascinado pelo ambiente selvagem, Quiroga adquiriu alguns hectares e construiu um casa-laboratório de escrita e fotografia, onde viveu com a primeira esposa de 1909 a 1916.
Desse período, surgiram inúmeros contos com viés naturalista que fizeram parte de algumas antologias, sendo a mais celebrada Contos da selva, de 1920.
Juan Darién surgiu dois anos depois e também brotou dessa seara. Sua primeira publicação foi no jornal argentino La Nación, e mais tarde integrou a coletânea O deserto, de 1924.
Agora a editora Micronotas traz o conto numa edição de luxo, com tradução do professor Byron Vélez Escallón e ilustrações belíssimas de Michelli Catarina. Um desses livros que merece a condição de objeto de apreço tanto pela qualidade do texto quanto pelo esmero do projeto gráfico.
A história se inicia com uma aldeia indígena sendo dizimada pela varíola. Devastada depois de sepultar seu único filho, uma mulher viúva tem a casa visitada por um filhote de tigre. O animalzinho é recolhido e, depois de ser amamentado, passa a ser tratado como um filho.
Então, certo dia, um homem invade a casa para matar o bicho e uma serpente faz uma proposta à mulher de transformar o tigre em menino, de modo a salvá-lo do invasor. A criança recebe o nome de Juan Darién e vem a viver sob as leis dos humanos. No entanto, um futuro sombrio é reservado para a fera guardada num corpo infantil.
Quiroga constrói um tipo de fábula com contornos perversos. Se existe um preceito moral ou não no texto, fica a cargo do entendimento do leitor que, depois de experimentar uma série de viradas que envolvem humilhação, tortura e morte, tem de se recompor para fixar certos significados e representações.
Da parte desse resenhista que aqui escreve, o ato final se traduz num libelo contra a morte da cultura de um povo selvagem, apagado pelo colonialismo. Em tempos atuais, em que a Amazônia é devastada por um governo obtuso, criminoso e discriminador, este é um livro que merecia ser distribuído nas escolas.
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Livro: Juan Darién
Editora: Micronotas
Avaliação: Muito Bom