De volta aos Estados Unidos, depois da segunda passagem por Paris que resultou em seu primeiro romance, James Baldwin lidava com um problema, enquanto escrevia aquela que seria sua obra-prima, O quarto de Giovanni: a mais sufocante falta de dinheiro.
Sol Stein, editor e romancista, saiu, então, com uma solução para a penúria do amigo: voltar seu talento para escrita de um livro de ensaios de estreitos laços confessionais. Baldwin relutou e, rondando o assunto, argumentou que seria pretensão demais um homem entrando nos trinta anos publicar suas memórias.
Sim, de fato, seria, caso esse homem não fosse um dos gênios artísticos da história da literatura.
Notas de um filho nativo foi editado, originalmente, em 1955. O volume traz 10 textos que, de acordo com suas características temáticas, podem ser separados entre o olhar para fora, da análise sobre as manifestações artísticas, e o olhar para dentro, da contemplação sobre as experiências do vivido.
No entanto, seja refletindo sobre a verve abolicionista de A cabana do pai Tomás na sociedade estadunidense, seja descrevendo sua relação conturbada com o pai e sua vida no Harlem, todos os relatos trazem uma substância intelectual de elevado componente combativo que constitui reflexões críticas sobre as injustiças cometidas contra a raça e sobre a condição de ser negro, a exemplo do estupendo e dilacerante ensaio “Muitos milhares de mortos”.
Tudo isso com o impacto de frases que ficam entre a elegância e o protesto, articulando um panorama de fatos e observações com implacável poder perceptivo e precisão na expressão das ideias, que deixam qualquer um constrangido em se autodenominar escritor.
Ao fim da apresentação do livro, Baldwin declara que queria apenas “ser um homem honesto e um bom escritor”. Foi brilhante, um ícone a ser reverenciado quando se pensa em identidade racial tanto na sociedade quanto na literatura.
***
Livro: Notas de um filho nativo
Editora: Companhia das Letras
Avaliação: Excelente